4.Quarentena
A ansiedade é uma ferida
aberta inflamada, fedida.
Mastigo as flores de camomila
junto com a água fervente.
Espremo o sumo da pressa
Por entre meus dentes
Já nem sei qual é o dia
a semana, o século.
Eu tenho abafando meus urros
afundando a cara no travesseiro
mas o grito já não cabe,
invade a janela dos vizinhos,
se esconde debaixo da mesa
assalta de noite a geladeira.
Eu tenho corrido assustado
corrido cada vez mais rápido
meus trinta metros quadrados.
Escalo as paredes da casa
penduro no muro da frente
sussurro à quem passa na rua
pedaços de cólera incipiente.
Um dia desses e acordei
meio com a cara amassada
com a cabeça inchada,
olhei pro mundo e era tudo
ruína por cima de entulho
escarro por cima de pus.
Eu pus a máscara por cima da barba
mas permaneci deitado,
como se fosse de mim
que não pudesse ser contaminado.
Um dia desses eu me atrasei
pro encontro que marquei
com meus olhos vidrados
no vidro do espelho embaçado
mas não pedi desculpas
quebrei os pedaços e mastiguei
de novo os cacos de mim.
João Pedro Sanson
Mestrando do PPGSA/UFRJ