QUARENTENA DOS ABRAÇOS
Brincadeira é coisa séria e as crianças sabem disso. Foi a partir de uma brincadeira da minha filha, que um turbilhão de pensamentos em mim foi detonado. Nesse tempo de quarentena e de isolamento social em que muitos de nós se encontram, às vezes sobrevém uma sensação de fragilidade, bem como, vez ou outra, somos levados à reflexões que antes nos pareciam banais.
Foi assim… Oi, gente! Estou com muita saudade e com muita vontade de dar um abraço em todos vocês! Disse minha filha enquanto, junto com a mãe, se divertia ao brincar de gravar vídeos. Ao ouvir, olhei de lado e, sem virar a cabeça, franzi a testa. Não só pela espontaneidade da frase em si, mas havia algo de muito sincero naquelas palavras… Parei de fazer o que estava fazendo. Devo ter entrado em transe.
Confesso, aquilo me dera um nó na garganta. Afinal, olhando em retrospectiva, acho que foi exatamente isso que minha filha mais fez nos seus sete anos de vida: dar abraços em profusão! Uma dúzia, no mínimo, todos os dias. Ao acordar, um abraço na mãe ou em mim. O primeiro que estiver ao seu alcance!
Também ao chegar à escola, assim que se aproxima dos amiguinhos, abraços são distribuídos sem economia. Na hora da saída, como se não estivessem juntos na mesma sala a manhã inteira, novos abraços são trocados sob o olhar apressado e impaciente dos pais que, já na metade do dia e premidos pela hora, não têm tempo para abraços.
Seja na escola, na casa dos avós, no balé, no inglês ou nas festinhas extemporâneas do meio da semana, lá está ela e os amiguinhos envoltos em abraços como estivessem se vendo pela primeira vez. Meu Deus, como essas crianças gostam de se abraçar! Penso, procurando o olhar dos outros pais que, assim como eu, observam com indisfarçável inveja.
Agora os abraços estão em quarentena… mesmo nós, adultos que aprendemos a viver com cotas rarefeitas de abraços, sentimos o baque e a falta de abraços que pouco trocamos. Imagina essas crianças? Penso. Imagino a falta que esse gesto de ternura está lhes causando. Só de lembrar, me vem um nó na garganta.
Num dos primeiros dias da quarentena, ao avisar que teriam de levar um remédio para os avós, a mãe logo lhe avisou: Filha, você só vai vê-los de dentro do carro e não pode beijar e nem abraçar. Senti o coração apertado: Meu Deus, deveria ser proibido proibir uma criança de abraçar os avós! Em resposta, um olhar resignado de minha filha.
Nunca fez tanto sentido aquele cartaz que certa vez li, en passant, nos corredores da escola na qual trabalhei: “O melhor lugar do mundo é dentro de um abraço”. Infelizmente, parece que não nos damos conta disso. Todavia, nesse período de pandemia e de isolamento social, minha filha me fez lembrar aquele cartaz e sua mensagem tão significativa.
Mesmo que a Sofia e o amigos tenham o conforto do abraço caseiro, sinto que lhes falta algo. Falta-lhes o abraços daqueles que aprenderam a conviver. Falta-lhes esse algo a mais… Que esse período passe logo, quando passar, e minha filha puder abraçar seus amiguinhos novamente, não farei questão alguma de segurar as lágrimas, caso elas venham. E tenho certeza, elas virão.
Abril, 2020.
Paulo César Batista
Doutorando do Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ.